Carlos, nos seus 50 e poucos anos, estava em pânico! Qualquer pessoa percebia que Carlos estava assustado e que aquele era o último sítio em que queria estar. Maldita a hora em que decidiu ir para ali! Mas afinal onde estava? Numa esquadra de polícia? Num tribunal? Por improvável que pareça, Carlos encontrava-se numa formação de Comunicação Eficaz. Aquela ansiedade toda de Carlos, com idade suficiente para já ter enfrentado verdadeiras adversidades ao longo da vida, devia-se a um simples exercício de apresentação.
Parece absurdo este comportamento, no entanto, para muita gente, falar perante um grupo de 12 pessoas pode ser um momento verdadeiramente petrificante.
De tal forma que muitos formandos comparecem entusiasmados a módulos como Trabalho em Equipa, Gestão de Conflitos, Liderança, mas quando chega o dia do módulo de Comunicação adoecem, têm um exame médico inadiável, os seus carros avariam misteriosamente, são convocados para uma reunião na escola dos filhos ou adormecem.
Este medo que é gerado quando têm que falar em público não é apenas mais uma das muitas “maleitas” da sociedade moderna. É nada mais, nada menos o modelo de comunicação que está a ser passado às gerações mais novas.
Sou professor de teatro há 15 anos em várias escolas de primeiro ciclo e assisto, ano após ano, ao que considero ser um cenário profundamente triste: Crianças com uma brutal capacidade para se focarem num telemóvel/ tablet, mas que quando lhes dou um fantoche para conversar com o colega do lado, começam imediatamente a bater com os bonecos uns nos outros! Se insisto no verbo “conversar” voltam, na sua maioria, a ficar intrigados, como se estivesse a falar noutra língua.
Proibir as crianças de utilizar telemóveis/ tablets? Como em tudo na vida, o problema não está nas coisas, mas antes na forma como são utilizadas. O facto é que sintomas como a inibição, a incapacidade de comunicar, a agressividade, o medo de falar perante um conjunto de pessoas são apenas a ponta do iceberg.
Para além dos tais formandos que não encontram a coragem suficiente para comparecer ao módulo de Comunicação, a maioria dos que ficam assume quase sempre as mesmas dificuldades: “Não sei o que fazer às mãos.” “Tenho medo de me atrapalhar, de me engasgar, de me falharem as palavras.” “Às vezes preparo-me e depois chego lá e dá-me uma branca.” “Queria perder um bocado esta vergonha, falar mais alto, mas atrapalho-me.”
Como em muitas outras áreas, as pessoas preferem aprender truques, técnicas, fórmulas que resolvam rápida e facilmente os seus problemas, do que estudar, compreender e aplicar os princípios da Comunicação.
Podia ensinar dezenas de truques para comunicar de forma mais eficaz, como segurar uma caneta para ocupar as mãos de quem as não sabe usar, não olhar para os olhos das pessoas com quem estamos a falar, etc, etc, mas não o faço sem que antes esteja compreendido um princípio que considero basilar na Comunicação: Intenção.
Da boca de Ávila Costa, mestre da Interpretação com quem tive o privilégio de trabalhar durante 5 anos, ouvi várias vezes esta pergunta ser colocada a grandes atores: “Qual a tua intenção para dizeres isso?” Se o ator demorava mais do 5 segundos a responder ele dizia: “Não tens uma intenção clara no que queres atingir com essas palavras, mais vale calares-te. Não tens o direito de poluir os ouvidos dos espetadores com palavras coladas a cuspo, sem profundidade, sem espessura, nada!
Repete, mas antes diz-me qual a tua intenção?” Não havia dia que o ato de abrir a boca para comunicar não fosse desafiado, posto à prova, questionado na busca das intenções. São níveis de treino da Comunicação absurdos, levados ao limite, a profundidades que só grandes mestres ousam mergulhar.
Não há nenhum pó que se dilua na água e torne alguém melhor comunicador. Essa competência treina-se! Infelizmente, perante o apelo à perseverança e à necessidade de treino, apercebo-me que para muitos formandos melhorar a comunicação não é prioritário.
Pudera! Crianças chegam ao secundário sem saber ler. Sabem juntar letras, palavras, mas estão a anos-luz do que é apoderar-se de uma mensagem, torná-la comum, tocar os outros com as suas palavras, influenciar. Como querem chegar a adultos e conseguir fazê-lo se ninguém os ensinou ou treinou? Qual a importância que está ser dada à aprendizagem e treino sério da Comunicação nas escolas, nas universidades e nas empresas. Ninguém será melhor comunicador com formações de um dia. Não se criam hábitos, comportamentos, atitudes, não se consolidam técnicas.
Nos dias de hoje qualquer pessoa que faça nascer a sua mensagem de uma intenção forte, congruente, clara e objetiva destacar-se-á do joio. Nesses, todas as técnicas encaixam como uma luva. Eles e a mensagem tornam-se num só.
Cada expressão, cada gesto que nasce de uma verdadeira intenção torna a mensagem distinta, contagiante e autêntica. Estes comunicadores têm bem claro na mente deles a quem se dirigem. Levam muito a sério a ideia de comunicação como provocação, desafio, influência.
É para estes níveis que a Comunicação deve ser atirada, ensinada, treinada desde cedo. Só então poderemos esperar melhores relações interpessoais, melhores resultados nas empresas, nas famílias, nas sociedades e entre as nações…